sábado, 4 de abril de 2009

Olinda: Coco de umbigada e resistência


Beth de Oxum e Quinho Caetés realizam sambada no bairro de Guadalupe, em Olinda, todo primeiro sábado do mês, numa tentativa de desenvolver a cultura da tolerância e da paz

Michelle de Assumpção // Diario
michelleassumpcao.pe@diariosassociados.com.br

Bairro de Guadalupe, Olinda. Pode-se dizer, ainda: periferia do Sítio Histórico, patrimônio da humanidade. O lugar
Foto: Alexandre Gondim/DP/D. A Press.
é endereço para uma manifestação ancestral que encontra respaldo numa cada vez mais popular festa de rua. O Terreiro da Umbigada, propriedade dos brincantes Beth de Oxum e Quinho Caetés, é um Ponto de Cultura, desde o primeiro edital do Ministério da Cultura em 2004. De lá para cá, as atividades do lugar se projetaram de várias formas. Não só através da festas, mas sobretudo pelos serviços prestados à comunidade: do aprendizado da percussão à construção de sites e pesquisa na web.

O coco de umbigada, que deu origem a tudo, era uma brincadeira curtida por várias gerações da família de Quinho. Na casa dele e de Beth, que estão juntos há 17 anos, ela renasceu e tomou fôlego. Primeiro, nas festas da casa: aniversário, batizado, Natal, sem contar no São João, período em que o coco tradicionalmente é realizado. Depois, cresceu e saiu do núcleo familiar. Da casa para o beco. Do beco para o largo da igreja de Guadalupe. De lá, para a rua em frente da casa onde funciona o Ponto de Cultura Terreiro da Umbigada. Hoje, como todo primeiro sábado do mês, a sambada terá mais uma edição.

A presença mais ilustre, desta vez, será a dos integrantes de dois "pontões" de cultura, de São Paulo. Um, Bola de Meia, fará duas oficinas de ludicidade e gravará um CD com a versão mirim do coco, o Coco de Umbigadinha. O outro grupo, chamado Convivência e Cultura da Paz, realiza evento durante a semana divulgando ações de "Cultura de Paz". Não termina aí. Beth está animada com a possível vinda do secretário de Programas e Projetos Especiais do Minc, Célio Turino. "Ele está vindo exclusivamente para nos visitar, para respaldar, na prática, o programa Cultura Viva. A gente está feliz por reverter dessa forma a situação de violência pela qual passamos", diz Beth.

Ela se refere a investida policial sofrida pelo seu grupo, no mês de fevereiro, e que causou revolta, segundo ela, em toda comunidade ligada à cultura popular, tanto de Olinda, quanto do Recife. O assunto fez parte de várias discussões na internet e ainda gera debates e protestos na web. "Foi armada uma operação de guerra contra nós, mas que estava desarticulada com instâncias superiores por isso não deu certo", diz. "Nós fazemos o coco há mais de 10 anos e afirmamos que esta brincadeira vem da matriz afro-indígena, tem uma origem ancestral, não se origina dos palcos, nem das produtoras, promovemos pertencimento com a cultura do coco na comunidade", conta Beth, que se diz vítima do preconceito. Ela conta que, durante a ação policial, ouviu de um deles que seu grupo estava forjando uma ligação com o MinC. "Eles disseram que o Ministério da Cultura não apoiaria ninguém que tem cabelos desses", conta. Beth e sua família - formada ainda pelas crianças Oxaguiam, Ialodê, Maira e Inayê - sustentam longas cabeleiras rastafaris. Parecidas com as do ex-ministro da Cultura Gilberto Gil.

Caso de polícia- A marcação policial à sambada do coco de Guadalupe tem histórico. Tiros teriam sido disparados, para cima, por um policial, na festa de dezembro. Em janeiro, para evitar que o evento causasse mais problemas, Beth articulou-se com a Secretaria de Cultura de Olinda, Fundarpe e Ministério da Cultura. A primeira festa de 2009 ocorreu sem problemas. Na sambada do sábado 7 de fevereiro, o Coco de Umbigadinha (formado pelos filhos de Beth e outras crianças da comunidade) estava comemorando o Prêmio Ludicidade, dado pelo Ministério da Cultura aos Pontos de Cultura que desenvolvem ações voltadas ao público juvenil. Perto das 21h, o show não havia começado, Beth e demais integrantes do Umbigadinha viram chegar mais de 40 policiais, em dez viaturas das policias civil e militar.

Eles alegavam que Beth estaria infrigindo a lei do sono e teria que acompanhá-los até a delegacia. Beth ligou para Márcia Souto, secretária de Cultura de Olinda, que entrou em contato com o secretário de Controle Urbano, João Luiz. Este, em poucos minutos, chegou à Rua Guadalupe. À esta altura, os policiais já haviam recolhido os instrumentos das crianças que estavam no palco e o equipamento de som, parte dele, doado pelo MinC. João Luiz conseguiu, na delegacia de Casa Caiada (Olinda), explicar que o grupo tinha a autorização da Prefeitura e da Fundarpe para realizar o evento. Na mesma madrugada, resgatou os instrumentos, inclusive uma alfaia centenária, que deu origem à história do coco de terreiro.

Procurado pelo DIARIO, o setor de comunicação da Polícia Militar disse desconhecer o assunto e preferiu não comentar. Beth coloca que prefere seguir pela cultura da paz. "Mas essa história não acabou, nem vai acabar com meu caso. É intolerância com nossa brincadeira, com nossa religiosidade. Depende de um processo de compreensão da sociedade", pontua.


http://www.diariodepernambuco.com.br/2009/04/04/viver1_0.asp

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