segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Apoio aos maracatus é insuficiente


MANOEL SALU: “um maracatu gasta 40 mil por ano”.

A SOBREVIVÊNCIA DA CULTURA POPULAR

Apoio do governo é insuficiente para prover custos dos maracatus pernambucanos

Paulo Carvalho
Especial para a Folha

“O maracatu é uma África que só há aqui”. O mestre Naná Vasconcelos, quando evoca a originalidade de um dos símbolos mais emblemáticos do nosso Carnaval não o faz apenas sob pretexto de exaltá-lo. Naná chama atenção para um fato: a tradição exuberante (seja na sua versão baque solto ou virado) nem sempre recebe o suporte e a recompensa que merece. “O que acho triste, lamentável, é que poucos maracatus têm sede própria”, afirma o percussionista. Naná abrirá oficialmente o carnaval do Recife regendo mais de 500 batuqueiros de 14 nações diferentes.

E não é apenas com a carência de sede que convivem a maioria dos maracatus. Muitos grupos não têm dinheiro para bancar as fantasias, para custear despesas com a alimentação dos brincantes ou para trasladá-los (um maracatu rural, como o Piaba de Ouro, por exemplo, precisa de 4 ônibus e um caminhão baú para transportar integrante e fantasias). O folião que vê o cortejo real acompanhado pelos batuqueiros e calungas, pelos caboclos de lança e seus chocalhos não imagina o quanto de trabalho e dinheiro consome cada apresentação.

“Um maracatu rural de porte médio (100 integrantes) gasta cerca de R$ 40 mil por ano”, afirma Manoel Salu, presidente da Associação dos Maracatus de Baque Solto de Pernambuco (AMBSPE) e do maracatu Piaba do Ouro, de Olinda, fundado por seu pai, o mestre Salustiano, em 1977. O Piaba de Ouro conta com 220 integrantes e consome R$ 4 mil por apresentação. “Meu pai já chegou a vender uma camioneta para poder brincar com o Piaba de Ouro e houve anos que fizemos o carnaval apenas com pão e água. No interior, há prefeituras que têm o descaramento de oferecer R$ 150 de cachê, e muitos maracatus aceitam apenas porque não têm um terreiro, um local para brincar”, aponta.

Lindivaldo Júnior, assessor técnico da Secretaria de Cultura do Recife, ressalta que a maioria dos maracatus só têm a prefeitura como parceira. O incentivo vem em cachês que, no caso da noite de abertura do carnaval, chegam a R$ 8 mil. “A PCR sozinha não dá conta, seria necessário que a produção cultural independente também pagasse um cachê justo”, preconiza.

Fabiana Alexandre, do Maracatu Leão Formoso, Olinda, também revela a falta de recursos: “Estamos há três anos sem receber incentivo de Olinda”, afirma em queixa semelhante a de Dona Olga, do baque virado Estrela Brilhante, de Igarassu, um dos mais antigos.

Como revela Salu, a PCR é a que paga o melhor cachê durante o Carnaval, mas ainda é insuficiente. Muitos maracatus do interior dependem dos repasses da Associação de recursos vindo da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco. Como forma de reconhecer a atuação de grupos tradicionais, a Fundarpe também criou o concurso de Registro do Patrimônio Vivo de Pernambuco concedendo bolsa mensal de R$1.500 para os grupos vencedores.

“Outro passo importante para os maracatus foi o registro como entidades jurídicas. Antes os grupos ficavam ligados a um mestre, e isso impedia a criação de convênios”, esclarece Salu. A sede da AMBSPE, por exemplo, foi doada à associação pelo Governo do Estado, em 1994, quando os maracatus da associação se reuniam embaixo de árvores.

Obviamente o registro de um grupo não visa sua “profissionalização”, afinal, como declara Manoel Salu, “maracatu não é fábrica, ou comércio, é tradição, está no sangue”. O apoio financeiro demandado pelos grupos tradicionais do Estado tenta apenas reverter a lógica sem sentido e quase exclusiva do reconhecimento póstumo. “O que queremos é fazer o maracatu para ir brincar”, arremata Manoel Salu.

http://www.folhape.com.br/

Nenhum comentário: