domingo, 8 de fevereiro de 2009

Diferentes "carnavais" para uma mesma família


Mãe e filha, Jane e Bárbara Melo compartilham a paixão pela festa, mas cada uma à sua maneira. Jane prefere os blocos líricos. Bárbara, gosta da multidão. Foto: Helder Tavares/DP/D.A. Press

Os anos passam, as escolhas mudam. Mas a festa exerce a mesma empolgação para quem brinca desde pequeno

Júlia Kacowicz // Diario
juliakacowicz.pe@diariosassociados.com.br

Uma festa leve, alegre e descompromissada. O carnaval pode parecer mais uma festa. Ou a maior delas. Que seja.
Mas um olhar de pesquisador pode desvendar o histórico político e social das sociedades. Como manifestação cultural, a festa de momo está em permanente estado de transformação. Dinâmica, agrega valores. Abriga também diferentes gerações. Seu lado democrático permite que todos criem e recriem a sua folia. Quando um modelo de festa cresce e praticamente expulsa seus fiéis foliões, outro nasce mais adiante. Nessa rotação, mãe, filha e neta saem da mesma casa em busca de diferentes carnavais. E encontram.

Aos cinco anos, Jane Emirce Melo, hoje com 56, foi apresentada ao carnaval por uma tia com sangue de carnavalesca. Na cidade de Limoeiro, Mata Norte do estado, conheceu o frevo e se apaixonou. Quando a festa de Olinda deixou de ser um carnaval para os moradores e seus amigos mais íntimos, abrindo os braços para visitantes, ela passou a frequentar as ladeiras da Cidade Alta. Isso entre os anos 70 e 80. "Eu gostava do frevo rasgado, de rua. Era o dia todo, subindo e descendo as ladeiras atrás das troças", relembra. Na época, a foliã juntava dinheiro o ano todo para as fantasias e os taxis.

Algo semelhante ao que passa a filha dela, Bárbara Melo, 29, que também espera o ano todo pelo carnaval. "Não tem nada ou namorado nenhum que me impeça", garante. O cenário do Sítio Histórico é o mesmo da mãe. Mas a festa já é diferente. Ela sobe as ladeiras os quatro dias com uma fantasia diferente e assume o "comportamento" dos personagens. O frevo de rua e os blocos são o prato principal da folia, mas a "multidão" que também participa não representa um incômodo como para sua mãe. Pelo contrário. "Todo mundo fala que sou muito sisuda e no meio dessa multidão me solto", contou. O estudante Thiago Cesar, 28, também é adepto de Olinda. "É a minha referência. Gosto das fantasias, da paquera", disse.

A pesquisadora e historiadora do centro de estudos sociais e culturais da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Rita de Cássia Barbosa de Araújo, esclarece que essa mudança ocorrida em Olinda - que expulsou a mãe e abraçou a filha - é resultado de lentas transformações sociais. A festa na Cidade Alta ganhou força, nos anos 70, com a abertura política e o fortalecimento da indústria cultural. "Os intelectuais, artistas e o pessoal de esquerda foram morar em Olinda, o que levou um tom crítico, espontâneo e de irreverência à festa", ressaltou. Com essa efervescência, acrescentou, o público tornou-se protagonista e a quantidade de foliões só fez crescer. Mas a fama chegou tão alto que visitantes de outros estados começaram a adotar o cenário para a festa.

Tradição - "Eles queriam apenas o lugar pois, sem compromisso com a tradição popular, queriam impor a música da moda e a festa ficou meio estática", disse Rita, referindo-se ao carnaval de Olinda de meados de 90 e 2000, tomado por auto-falantes nas janelas das casas. Época que marca a saída de Jane da Cidade Alta ea permanência de Bárbara. "Ainda tentei, mas não conseguia mais ficar em Olinda. Foi quando os blocos líricos renasceram", contou Jane, que se reencontrou no carnaval que canta o passado e hoje é presidente do Bloco das Flores.

Bárbara ajuda a mãe em todos os preparativos, mas não troca a sua folia pela companhia de Jane. De espanhola, torce e recebe com alegria a valorização atual das troças e orquestras de frevo em Olinda. "Disputa" com a mãe a atenção de Júlia, 6, uma "neta" adotada para o carnaval, na verdade, filha de uma vizinha. A pequena dança ao som de qualquer ritmo e adora fantasia. Por enquanto, acompanha quem chamar. "Ela tem sangue carnavalesco", defende a "avó". Qual será o carnaval brincado quando ela estiver maior? Depende do que virá.




http://www.diariodepernambuco.com.br/2009/02/08/urbana8_0.asp

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